Não
sei se alguém já fez isso antes, mas eu gostaria de ser o primeiro. Há dez anos
era lançado um dos discos mais importantes do cenário rocker baiano, o
“Bettween the Devil and the Deep Blue Sea” da The Honkers. Digo importante não
só por ser um disco que tem se provado resistente ao tempo, mas também por
conta de ser uma representação do que foi o cenário roqueiro da cidade, e do
estado, na época em que foi lançado. Simplesmente Rodrigo, PJ, Thiago, Brust e
Dimmy destroçaram o marasmo no qual o cenário da cidade vivia, exatamente como
se um Jaeger abatesse um Kaiju, consolidando uma das grandes fases do rock na
cidade.
O ano era o de 2002 e a cidade vinha
de uma certa ressaca da década de 1990, amargando um período de poucas
novidades na cena e com a maioria das bandas se dissolvendo. Mas me lembro de
uma certa noite, quando fui assistir a um evento que reuniu a Retrofoguetes,
Brincando de Deus, Snooze e The Honkers.Tinha uma TV no Idearium que estava
passando os dois a zero da seleção da Nigéria sobre a Argentina, mas pouca
gente se prendeu a ela por conta da performance da banda de abertura. Já
naquele momento, com uma apresentação de um pouco mais de trinta minutos, a
Honkers sinalizou uma nova etapa do rock baiano que estava por vir pela frente.
A noite era saudavelmente difícil para iniciantes, mas o recado foi dado. Após
o show, Rodrigo, com um sorriso de “missão cumprida” no rosto, veio até nós e
perguntou: “Vocês vieram ver a Brincando de Deus, não foi?” e lhe respondi com
sinceridade: “Também”.
Com a entrada da banda no circuito
de shows da cidade, os fatos começaram a conspirar a favor dela e de quem mais
estivesse disposto a atuar na cena. Só bastaram um pouco mais de oito meses
desta apresentação no Idearium para que os rapazes lançassem o seu disco de estreia
em abril de 2003. Com a produção do Vandex, com o grupo há muito tempo bem
ensaiado e já chamando a atenção com algumas outras apresentações, “Between the
Devil...” saiu rodeado de boas expectativas e contendo sete canções que vinham
fazendo parte do repertório do grupo. Com o seu formato físico emulando um
disco de vinil (a cor da sua mídia é preta), o cd começa com “Distorced Party”,
um instrumental matador, em seguida vem o rockabilly garageiro “Something Wrong
With My Girl” e na terceira faixa tem o ska-mod-indie de “Where Do I Go”. A
quarta canção é o punk vigoroso de “My Pretty Punk Girl”, que vem seguida da
faixa título, uma bela balada de fim de tarde e com uma bela letra que mataria
o Morrissey de inveja. A obra termina com o cover de “Não Beba Papai, Não Beba”,
da banda paulistana Coke Luxe.
De fato não só o estouro da Pitty
nacionalmente representou a boa fase do rock na cidade naquela época, como
muitos afirmavam. Muita coisa começou a acontecer de verdade depois do
lançamento do disco (portas para outros artistas iniciantes foram abertas e passou
por aqui um festival nacional com o Placebo como o headliner) e, nos seus dois
anos seguintes, fatos memoráveis como a Demolition Party, o disco de covers que
foi gravado no mesmo ano, o “Underground Music for Underground People (covered
by one overground band)” e a turnê latino-americana da Honkers reforçaram a boa
atmosfera na qual a banda e o cenário viviam.
É claro que nem tudo são flores e
que as coisas não conseguiram se manter como se esperavam, mas é certo que todo
marco deve ser celebrado e cultuado, respeitado e perpetuado. “Between the
Devil and the Deep Blue Sea” vai durar muito mais do que dez anos.