O sudeste do nosso país (mais
especificamente os Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo) parece sempre ter
sido a região alvo dos artistas e das bandas baianas mais saudavelmente
ambiciosas e mais bem intencionadas com a longevidade de suas carreiras. Muitas
foram para lá e não tiveram um bom êxito, se desfizeram ou foram obrigadas a
mudar de formação e retornaram com machucados que cicatrizaram de formas
diversas mais tarde. Para outros poucos a situação foi diferente e o exemplo
mais notório é o da cantora e compositora baiana Pitty.
Não acho que com ela tenha sido tão somente uma questão
de sorte, ou uma simples exceção à regra. A sorte, uma boa assessoria e ótimos
contatos são sim elementos importantes para um artista, mas a competência no
que se faz, a experiência de palco e a formação musical são aspectos que falam
mais alto neste caso aqui. Me lembro de quando escutei pela primeira vez o seu
primeiro álbum, o “Admirável Chip Novo” (2003), e do quanto eu me surpreendi
com a sua aposta musical naquela ocasião. Pitty havia saído de um som mais
rápido para um som mais pesado (sim, há uma grande diferença aí) e já trazia ao
mundo uma música interessante, com várias influências e cheia de personalidade,
apontando para um caminho evolutivo da sua música sem deixar de estar atenta ao
que acontece ao seu redor e que foi se fortalecendo nos seus discos seguintes...
No seu quarto álbum de inéditas, intitulado “Setevidas”, Pitty
dá mais um passo à frente na sua musicalidade por ser diferente dos seus dois
últimos trabalhos, mesmo não deixando para trás os elementos com os quais trilhou
a sua carreira. Enquanto em “Anacrônico” (2005) o seu som soava mais stoner e
em “Chiaroscuro” (2009), onde sua música remetia a um hard-fusion-rock (sem
abrir mão do pop), aqui ela ressurge mais madura e mais desprendida de tais rótulos,
o que deixa a sua audição mais interessante, exatamente como na sua estreia. Abrindo
o álbum, “Pouco” tem bons riffs de guitarras e termina bem agressiva, como se
de fato não se contentasse com pouco. “Deixa Ela Entrar” ainda tem uma certa
influencia dos seus trabalhos anteriores onde o stoner é bem presente, mas é
exatamente aqui que o disco começa a ficar realmente bom. “Pequena Morte”, uma
canção que trata sobre orgasmo, possui um andamento de baixo bem sinuoso e
sugestivo para um momento a dois mais quente. “Um Leão” tem um ritmo mais
acelerado e antecede “Lado de Lá”, musica com piano sombrio e sutil que conduz o
seu desenvolvimento a um momento grandioso, com um solo de guitarra mesclado a gritos,
formando uma sonoridade pomposa e bem preenchida, garantindo mais dramaticidade
à faixa. Com certeza é um dos melhores momentos do cd. “Olho Calmo” é mais
tranquila e possuidora de um refrão forte e direto, enquanto “Boca Aberta” é a
mais rápida do disco e a mais frenética.
“A
Massa” tem uma batida mais firme e contínua, como uma marcha de uma linha de
produção que vai dar forma a um individuo que está sendo preparado, assim como
sugere a letra. “Setevidas” é uma faixa que representa o “cair e levantar” que
temos durante a vida. A porrada que vez ou outra ela nos dá e a nossa
capacidade de nos reerguer e seguir a caminhada mais fortes são aspectos muito
bem colocados na letra. A melodia tem balanço e certa atmosfera de mistério, um
ouvido mais atento pode escutar um piano marcando a música nos versos que
precedem a explosão do refrão. O fato de ser a penúltima faixa do disco e de ter
sido escolhida para ser a primeira música de trabalho a deixa ainda mais
notória. “Serpente”, de longe, é a mais bonita da obra. A mensagem aqui é a de que
amanhã é um novo dia e que as coisas se renovam, como acontece com uma serpente
que troca a sua pele ao final de um dos ciclos de sua vida. Um coral de vozes
africanas e um inspirado e espirituoso solo de guitarra dão mais brilho a
canção. Belíssima!
Ao fim, o que se constata é que a Pitty mais uma vez
superou as expectativas com um álbum de músicas mais consistentes e de letras
mais profundas. A perda, a morte, a fragilidade da vida, o acaso, a resiliência
e também o otimismo são temas que permeiam o disco, o deixando ainda mais
sincero. Esse aspecto, juntado às canções, dão a “Setevidas” o crédito de ser o
melhor trabalho feito pela nossa conterrânea, mesmo não sendo esta a sua obra
definitiva (ainda bem). Ela sabe os caminhos que deve trilhar e sabe que é para
frente que se deve seguir.