As
vezes, quando se escuta uma canção, não é necessário muito esforço para viajar
para o passado. Isso pode ocorrer por conta da memoria afetiva em relação a
obra, ou simplesmente pelas referencias que ficam explicitas em um trabalho
artístico musical. Isso não chega a ser algo negativo e depende muito de quem
escuta para dizer se isso é bom, ou se é ruim. O fato é que o novo EP dos
baianos da HAO faz uma verdadeira viajem no tempo por meio dessas canções recém
lançadas.
A
Imoralidade das Rosas
possui seis faixas cheias de energia jovial e são envoltas por uma neblina
espessa e carregada do clima das bandas californianas e das demais localidades
bombadas do rock no hemisfério norte, lá pelos idos do inicio dos anos 1990. Em
alguns momentos se pode fechar os olhos e sentir essa atmosfera um tanto quanto
presente e aguçando os sentidos.
O disco começa com Intro (fire flying flowers),
e como o titulo já sugere, é uma introdução viajada, com texturas de guitarra
que parece emular a aproximação de um OVNI em uma área remota e que decide
pairar sobre a casa onde o individuo se encontra escutando o cd. Ela não aponta
a direção que o disco vai tomar, mas é um bom começo. I will Save Me
traz a banda ainda com um pé dentro do seu EP de estréia, com o violão já dando
as caras por aqui. Com influencia forte de Blind Melon nos arranjos e nos
vocais, a faixa tem um ótimo solo e um desfecho psicodélico dentro de uma boa
viagem. What You Fell começa swingada e bem influenciada pelo funk rock
californiano do verão do ano de 1991, algo bem familiar para ouvidos atentos
que já se antenavam desde aquela época. Explosões interessantes no meio da
canção e uma boa guitarra com pedal wah wah dá uma sensação ondular, sinuosa,
que conduz bem o final da canção.
Groova Lua é primeira das três das faixas cantadas em português desse trabalho.
Ela começa óbvia, com um rock surfista praieiro desgastado por bandas como O
Surto e Charlie Brown Jr., mas surpreende em alguns momentos, com balanço e bom
uso dos vocais rasgados. Mais uma vez, a sequencia final da canção empolga com
boas viradas de bateria e coral de vozes dos seus versos finais. Lambada
D'outr'eu tem uma energia raivosa, com punch na bateria, solos de guitarra
bem dedilhada e uma mistura musical que passeia entre a psicodelia do primeiro
disco do Pearl Jam e obscuridades do Pink Floyd. Maya é a cereja do bolo
de A Imoralidade das Rosas. É o melhor momento do disco, ela é grande,
poética e bonita, com um violão flamenco se sobressaindo à levada triste, porem
vívida, dos outros instrumentos da banda. Nos momentos em que o violão trabalha
sozinho, a faixa ganha um ar de mistério e instiga o ouvinte, que consegue
muito bem imaginar imagens sobrepostas e dessincronizadas de uma bela dama
dançando, girando e sorrindo dentro de sua cabeça. Nota-se que houve um cuidado
maior no trato dessa trilha, muito por se diferenciar das demais em vários
aspectos. Talvez seja esse o caminho que eles provavelmente sigam adiante. É
uma faixa épica, que merece uma atenção especial e que pode surpreender os
ouvidos casuais e os mais apurados.
Neste
novo trabalho a HAO se mantêm em um mesmo nível de qualidade sonora em relação
ao seu disco anterior. Se pode notar que há uma expansão no conhecimento
musical dos rapazes que, mesmo com os dois pés fortemente fincados no rock
norte americano noventista já se arriscam musicalmente em outras vertentes,
apontando para direções interessantes, pensando mais fora da caixa. Se percebe
também que a banda manteve elementos que funcionaram antes, como os solos de
guitarra e o diálogo da cozinha. Os vocais estridentes, algumas vezes
demasiados, poderiam ser repensados e amadurecidos para uma próxima
oportunidade e o saxofone fez falta na gravação. A Imoralidade das Rosas
instiga, é um bom EP e planta o questionamento no ouvinte: o que será que virá
da HAO daqui para frente?
*Matéria originalmente publicada em 05/11/2015.