Não
é de agora que música e literatura andam juntas e de mãos dadas. Ao longo dos
anos ambos vêm influenciando um ao outro, muito mais o segundo sobre o primeiro,
e discos ou musicas inspirados em poetas, romancistas e obras literárias surgem
frequentemente de tempos em tempos. Assim foi com Maria Bethania, que
recentemente lançou a obra “O Vento Lá Fora”, divulgando a obra do Fernando
Pessoa e, mais recentemente ainda, com o Tony Lopes homenageando a poesia
boêmia e marginal do velho safado Charles Bukowski.
Desta
vez no comando da sua banda virtual, Os Elefantes Elegantes, o Reverendo T musica
alguns poemas deste que é um dos escritores mais cultuados no mundo inteiro. Tendo
extraído-os dos livros “O Amor é Tudo que Dissemos que Não Era” e “Esta Loucura
Roubada que Não Desejo a Ninguém a Não Ser a Mim Mesmo Amém”, e com tradução do
Fernando Koprosky, o disco intitulado “Os Elefantes Elegantes Mergulham na
Poesia Ácida de Charles Bukowski” é uma grande viagem pelo mundo do literato e
é uma boa oportunidade para apreciar os seus versos. Mesmo o ouvinte sendo já
iniciado, ou não, no universo bukowskiano.
O
disco tem bons momentos e a voz sussurrada, aspecto já característico nos
trabalhos do Tony Lopes, dá um tom especial as interpretações dos poemas. “O
Homem ao Piano” traz bem o clima solitário e melancólico do instrumentista em
sua labuta, em “Garotas Quietas” pinta um quadro vertiginoso sobre a condição
do autor em aguardar a sua mulher ideal enquanto tantas outras desviadas
aparecem no seu caminho, “Estilo” é um dos bons momentos do cd com o próprio
Tony Lopes incluindo, de forma bem justa até, um verso extra no poema.
“Rugindo” tem musicalidade suave que casa bem com o poema, já em “Jogue os
Dados” um sax afrobeat da um tom de mantra sendo marcado por um sintetizador,
“Criar Arte” é mais frenética e com guitarras distorcidas traduzindo bem a
acidez dos versos.
“Conselho
de Amigo” é mais uma que se destaca no disco, muito pelas palavras e também
pela interpretação pausada do Reverendo T, “Evidencia” é misteriosa e
reveladora ao mesmo tempo e “Nós, Dinossauros” tem o clima mais deprê do disco
e isso não poderia ser diferente ao interpretar versos como “nascemos nisso/em
hospitais tão caros que á mais barato morrer/em advogados que cobram tanto/que
é mais barato se declarar culpado”. “Sim, sim” tem uma levada swingada e
palpita sobre as criações de Deus, em “A Crise” uma bela canção faz uma bela
roupagem para os versos verdadeiros do Bukowski e “Palavras Bonitas” traz mais
uma verdade do universo, que é a de que qualquer um, inclusive palavras e
mulheres bonitas, também enrugam e morrem.
Mesmo
com um bom desfecho o álbum peca um pouco pela sonoridade. Seria mais interessante
e satisfatório se fosse mais orgânico, tocado por uma banda real, assim como
foi o ótimo “Azul Profundo” do Reverendo T e os Discípulos Descrentes. Mas o
disco todo tem interpretações inspiradíssimas de um artista que tem propriedade
nos assuntos rock e poesia. Tony Lopes soube escolher bem os poemas para
interpreta-los e também soube dar a roupagem ideal para cada um deles.
O
resultado agrada no que se refere ao clima que se consegue com a junção das
canções com os poemas do autor e fazem o ouvinte entrar bem nesse universo sem
deixar de se divertir. A ilustração da capa, feita pelo artista Bruno Aziz,
fortalece ainda mais esse ponto. Esta é uma boa e diferente oportunidade para
apreciar as palavras do Charles Bukowski.
*Matéria originalmente publicada em 01/06/2015