No
último final de semana aconteceu em Salvador mais uma edição do Rock Concha,
festival anual que contempla bandas locais e nacionais e que, neste ano, ainda
por conta das obras na Concha Acústica do TCA, aconteceu no Clube Espanhol. Por
conta do BAVI no sábado e pela costumeira maresia do domingo não pude ver
algumas bandas se apresentando, então, já ficam aqui as minhas sinceras
considerações a Circo de Marvin, O Quadro, Baiana System e Jackeds. Em uma
próxima oportunidade terei o prazer de escrever sobre vocês.
É bom
ter um festival como esse na cidade. O Rock Concha vem sendo realizado há
alguns bons anos e, neste em especial, houve uma abertura maior para os
conjuntos locais. A metade do line up foi feito por grupos daqui, o que é mais
um sinal da boa fase da atual cena da Bahia. Foram ótimas as escolhas das
bandas baianas, mas acredito que a organização do evento poderia se aprofundar
mais na cena, dando abertura para conjuntos que estão se apresentando com
frequência, se firmando cada vez mais no cenário, ajudando a forma-lo e a
fortalece-lo, se fazendo merecer tocar para mais pessoas e em lugares maiores.
Fica o aguardo para ver ainda mais grupos daqui na próxima edição.
O
público compareceu em peso nos dois dias da festa. O lugar ficou tomado por
pessoas que se espremiam na frente do palco, local onde os seguranças tiveram
mais trabalho. Muita gente se aglomerou por lá, fazendo a grade correr para
frente a cada vez que se formava uma roda de pogo lá atrás, ou quando um
artista acenava para alguém na platéia. Se a distância entre o palco e a grade
fosse menor, poderia ter acontecido algo ruim. Mas não aconteceu.
A
chegada foi bem a tempo de ver o inicio do show dos Titãs. Essa foi a sexta
apresentação que pude assistir dos paulistanos e foi bem interessante. Não foi
uma das melhores, nem uma das piores. Eles iniciaram o show utilizando mascaras
de palhaço, dando um tom insano para as musicas mais pesadas uma vez que não
havia expressão facial. O repertório foi mesclado entre as canções do ultimo
disco com seus clássicos. As faixas do Nheengatu são realmente muito
pesadas e valeram de bons momentos. Polícia, Cabeça Dinossauro e Lugar
Nenhum engrossaram o caldo nessas horas. Go Back e Desordem
me envolveram em uma onda nostálgica por nunca te-las visto sendo tocadas ao
vivo antes. Teve algumas derrapadas também, como em Marvin e Flores,
mas em compensação o público foi poupado do abuso das incontáveis faixas leves
da banda dentro da sua performance. Foi bom sim, mas vale frisar que esse
formato dos Titãs como um quinteto funcionou melhor na turnê anterior, onde o
set list era mais pesado e intenso. Voltar a ter músicos de apoio talvez fosse
melhor para eles nesse contexto, onde Branco Mello e Paulo Miklos ficariam mais
soltos. Enfim! Ficaria mais uma hora vendo eles de qualquer jeito.
No
segundo dia deu para ver mais bandas. A Fresno não fez uma apresentação muito
acima do que eu esperava, mas me surpreendeu de certa forma. A sonoridade da
banda ao vivo é bastante pomposa, com timbres de guitarras remetendo horas ao
sludge metal e horas ao stoner, se desprendendo bastante do ranço do emo. O
baterista segurou muito bem a cozinha do show e o público cantou junto as
canções. Nada muito além disso. Depois dos gaúchos foi a vez dos baianos da
Scambo subir no palco. Eles tiveram um problema técnico no equipamento de um
dos guitarristas, que acabou causando um atraso de quase trinta minutos do
inicio do seu show, o que levou a banda, por fim, a encurtar o seu set list.
Mesmo com o repertório apertado a banda não teve pressa. Com a sua popularidade
cada vez maior, o grupo tocou velhas e novas faixas conhecidas desses seus
quinze anos de existência, com destaques para Carnaval e a épica Carne
dos Deuses. O público ainda escolheu a última música do show, que ficou
entre Janela e Carcará. Ganhou a segunda, que foi tocada com
vontade. Agradou bastante.
Houve
até algo em comum que essas duas bandas compartilharam em seus shows, que foi o
discurso de que "o rock não morreu". É sério que ainda se discute
sobre isso e que vocês usaram o microfone e o espaço que possuíam de direito
para falar do assunto? Tudo bem que isso vira e mexe sempre entra em alguma
pauta roqueira desde que o avião do Buddy Holly caiu no final da década de
cinquenta, mas com tanta coisa mais importante e mais interessante para tratar
(e provocar, porque não?) isso pareceu desnecessário.
Fechando
a noite e o festival, Pitty fez um dos melhores shows que já passou em terras
baianas. Esse ano tive a chance de ver bastante artista mainstream fazendo som
por aqui e poucos se apresentaram como ela se apresentou. Acho que nenhum, na
verdade. Assim que a cantora subiu no palco, o clima do lugar mudou
completamente, ficando mais forte, potencializando a energia e trazendo a
sensação selvagem que o rock possui de bom. São coisas invisíveis complicadas
de traduzir e que só vendo pessoalmente para perceber. Uma atmosfera roqueira
verdadeira que é difícil de alcançar e manter. A apresentação começou com a
canção Setevidas em meio a uma calorosa e ensurdecedora recepção do
público, foi um bom começo que se manteve firme até o final, até mesmo nas suas
músicas mais leves. Ainda na primeira parte, foram tocadas Teto de Vidro
e Admirável Chip Novo, sinalizando que ainda tinha muito peso por vir
pela frente. Em Memórias Pitty improvisou a letra de Prefixo de Verão
(clássico da axé music de raiz) no meio da canção, que ficou divertida. Teve
espaço para momentos densos em Olho Calmo e tranquilos como em Equalize,
e abertura para a cover de Mesmo Eu Estando do Outro Lado (do Cascadura)
cantada por Martin. Me Adora é sempre muito interessante de ser
apreciada e Máscara nunca perdeu a mão, seja em sonoridade ou na sua
mensagem. O show encerrou com Serpente, que ganhou um inesperado coro da
platéia depois de executada.
Foi
uma apresentação genuína de rock, de uma artista e de uma banda que só fizeram
melhorar ao longo dos anos. E houve espaço para bastante coisa durante a
performance, como o posicionamento da Pitty sobre o seu descontentamento em ver
a cidade sendo desfigurada pelo excesso de concreto que tem tomado as suas
peculiaridades locais, e sobre a sua preocupação em torno da crescente
violência na capital baiana. No meio do show, alguém puxou um "Pitty,
gostosa" e foi seguido por muita gente. Isso não pegou bem e quem se
empolgou ganhou uma chamada da cantora que precisou dizer que isso é
constrangedor e que não era algo bom de se fazer. Respeito é bom e todo mundo
gosta, inclusive ela. Quem falou o que quis, ouviu o que não quis e foi dormir
com esse zumbido. Receba! Ela também não se esqueceu de referenciar as bandas
baianas e a cena local, citando os conterrâneos que participaram do festival e
as tantas outras bandas que ela sabe que batalham por aqui. Foi um show de uma
energia verdadeira.
Com a
festa terminada, era hora de partir para casa com um exemplar do disco da Rita
Lee nas mãos e torcer para que a Concha Acústica do TCA fique logo pronta para
abrigar este e mais outros eventos que contemplem o rock. Um lugar como esse
faz falta, porém, faz mais falta ainda um festival de rock a menos na Bahia.
Portanto, é esperar que o Rock Concha não espere e que abra mais o caminho
ainda para as bandas locais.
*Matéria originalmente publicada em 08/10/2015.