Neste
final de semana, aconteceu a primeira perna soteropolitana do festival potiguar
DoSol. Em sua décima segunda edição, o evento se estendeu por mais treze
cidades nordestinas além de Salvador, abrangendo cinco estados da região
nordeste e nada menos do que 337 bandas e artistas convidados do Brasil e de
países europeus. É um festival importante pela sua história, pela fomentação da
cena independente nordestina e, agora, pelo seu alcance territorial. Aqui na
capital baiana foram duas datas de som que ocorreram no Portela Café, em um
lugar que, por conta das intermináveis obras do Rio vermelho, se tornou de
complicado acesso para o público desavisado, ou até mesmo mais conhecedor do bairro.
Mesmo
com a bebida cara (seja ela a cerveja, a água, ou o refrigerante), a casa teve
algo que funcionou a favor do festival: o fato de possuir dois palcos que
serviram muito bem para o reversamento das bandas escaladas, dando um dinamismo
melhor entre os shows, não havendo atraso nas apresentações e mantendo um ritmo
bom para o andamento da festa, mas só isso. Por falar no lineup, a curadoria
acertou bastante nos nomes. Acredito que foi bem justa com a cena rocker local
baiana, trazendo grupos ativos por aqui e que fazem o cenário acontecer e ainda
faltaram algumas, que acabaram ficando de fora. Particularmente, também
escalaria a maioria, só ficaria na dúvida entre uma ou outra por ainda não
conhecê-las.
O
festival também foi uma boa oportunidade para isso, para conhecer algumas
bandas que ainda não passaram pelo Portal Soterorock. Portanto, estas até então
"desconhecidas", merecendo ou não a presença no festival, você poderá
tirar as suas conclusões lendo a resenha das performances de cada uma delas
logo abaixo. O público compareceu de forma tímida nos dois dias (o segundo deu
mais gente), contrariando as expectativas da organização e dos conjuntos, mas
isso não cortou a empolgação dos artistas que se apresentaram. E já vou logo
afirmando que quem não foi, perdeu muito show bom!
A primeira data, 13/11/2015 - Argentina 1 X 1 Brasil
Com
trinta minutos para cada grupo, a primeira noite do Festival DoSol em terras
baianas não poderia começar melhor, tendo em sua abertura o duo de rock de chão
pisado, a Búfalos Vermelhos e a Orquestra de Elefantes. A banda apresentou o
seu repertório com a competência de sempre, mais empolgado ainda por conta do
bom momento em que vive e com muita vontade na performance, não decepcionando a
quem já conhecia seu som. Mulher Kriptonita e Chão Pisado
arrancaram reações empolgantes da audiência. Novamente, muita gente que não
conhecia a dupla reagiu bem ao som encorpado e volumoso dos rapazes, que só
faltaram derrubar o lugar de tanto peso sonoro. Quem sabe, sabe e, provavelmente,
entraram mais algumas personas para o seu crescente exército de seguidores.
Depois
deles, no outro palco, a Falsos Modernos começava seu som sem dar fôlego ao
público desacostumado a intervalos inexistentes entre bandas. Este é um dos
grupos que não conhecia. Fazendo rock básico, de forte influência da jovem
guarda, com um vocalista carismático e com forte pegada pop, os rapazes se
mostraram bem entrosados e animou muita gente na pista. Mas um aspecto me
chamou negativamente a atenção: a quantidade de covers no seu repertório.
Volto a repetir o que já escrevi aqui e farei isso quantas vezes for: a banda
monta o seu repertório de acordo com o que acha que deve tocar, sendo só com a
suas músicas, ou com a dos outros e com os dois misturados. O problema é que,
quando você tem um espaço de trinta minutos dentro de um evento que tem uma
visibilidade considerável para artistas independentes e você aposta suas fichas
em três covers no seu repertório (quase a metade do setlist), quando poderia
ter mais trabalho autoral dentro dele, isso se torna um aspecto negativo para a
banda. É perda de tempo para ela, se tornando desinteressante. E foi isso o que
ocorreu! Por exemplo, Sanguessuga é uma canção divertidíssima do grupo,
mas os rapazes chamaram mais atenção quando tocaram The Dead Billies.
Depois
foi a vez da The Pivos (Camaçari) se apresentar. Essa é mais outra banda que
ainda não tinha visto de perto e o seu punk rock rápido e rasteiro funcionou
bem para esquentar a noite do DoSol. Foi uma música atrás da outra (a maioria
do seu disco de estréia e algumas inéditas), sem perder o fôlego e fazendo
muita gente bater cabeça. A energia da banda foi algo que chamou a atenção por
ser diferente, com composições velozes e com o trio bem entrosado, falaram o
suficiente e entreteu muita gente. Houve até formação de roda de pogo com três
indivíduos que pareciam não perceber que o chão estava encharcado de cerveja e
escorregadio. A queda de um deles era questão de tempo e quando isso aconteceu,
pela reação hilária das pessoas, parecia que muita gente estava esperando isso
acontecer. Mas os outros dois continuaram, o som tava massa e porque parar de
se divertir?
Em
seguida o grupo Casillero (Olinda-PE) subiu ao palco e fez a sua primeira
aparição em Salvador. Foi o show da noite! O quarteto entrou no tablado ao som
de um instrumental épico tenso e não demorou muito para mostrar o seu som, que
é uma mistura dos projetos do Jack White, com o QOTSA, além de rock setentista
(Led Zeppelin) e mais um pouco de stoner-ocult rock (Uncle Acid & The
Deadbeats). De muita personalidade e com punch forte e provocativo, as músicas
possuíam o gingado vindo do deserto de Joshua Tree, mas feitas muito mais para
apreciação, talvez isso seja um dos motivos para a maioria das pessoas não irem
para a frente do palco durante boa parte do show. Foi interessante o uso dos
teclados e sintetizadores com os timbres de guitarra de acordes pegajosos,
juntos com uma cozinha pulsante e direta. A luz forte daquele palco, que fica
bem na cara dos vocalistas (foi quase unânime a reclamação deles sobre isso),
impediu o frontman de conseguir enxergar a platéia e o fez mergulhar na
escuridão e ceifar com notas de sua guitarra as silhuetas que estavam ao seu
alcance, para depois voltar ao palco solando com o seu instrumento atrás de sua
cabeça e depois o fazendo com os dentes. Foi uma apresentação interessante, que
quem não viu, ou que se dispersou na hora do show, acabou perdendo de assistir.
A Casillero abriu por trinta minutos o recipiente onde deixa preso algo que
atiça o ambiente quando está solto e depois o prendeu de volta lá para não
deixa-lo escapar. Muito bom!
No
outro canto da casa o Enio, dessa vez sem a Maloca, fez uma performance
diferente. Sozinho, ele utilizou recursos pouco convencionais, porém, mostrando
intimidade com todos eles. Aplicativo de celular para usar samples, pedais que
faziam loops de guitarra e de beatbox, e, inclusive, a guitarra foram usados
para a sua apresentação que parecia que seria intimista, mas não foi tanto
assim. Ele mostrou músicas do seu mais recente disco, Axé, fez música na hora,
desconstruiu Canto de Ossanha (Vinicius de Moraes e Baden Powell), teve
a participação virtual especialíssima de sua filha nas baterias e ainda rolou
uma versão de "Smells Like Billie Jean", que ele pode dizer que é
dele de tão diferente e criativa que ficou.
Encerrando
a noite, a The Honkers fez um show sereno da uma forma serena que só a banda
sabe ser: sexualmente caótica. Foi a velha The Honkers de sempre, mandando bem
no seu rock garageiro, com o pé no acelerador e reservando alguns momentos para
músicas um pouco mais calmas. Foram quarenta minutos de muito suor, pulos e
coros nos clássicos da banda. Houve também um momento especial na performance.
O baterista original da banda, Dimmy Drummer, e o segundo guitarrista da ordem
cronológica do grupo, Bruno Pizza, subiram ao palco para tocar duas canções,
uma delas She'll be My Little One. Foi bacana ter visto o revival de uma
formação que não tocava junto desde 2008. Foi uma boa apresentação de encerramento
dessa primeira noite do Dosol, que gerava boas expectativas para o próximo
lineup. Na chegada de casa ainda corri para ver na web quanto foi o jogo do
Brasil contra a Argentina. Foi empate e só deu a seleção adversária na partida.
Como amante de futebol e brasileiro, torço para que a seleção se classifique,
mas seria uma boa também se isso não acontecesse.
A segunda data, 14/11/2015 - A dança frenética dos
lunáticos das cornetas ensandecidas
A
segunda noite do festival teve um numero maior de pessoas do que antes e ela
começou com a Teenage Buzz e o seu britpop noventista estreando novo integrante
na banda. O show ficou um pouco mais corrido por conta de um certo atraso, mas
isso contou a favor dos rapazes, que tiveram que correr contra o relógio,
fazendo uma apresentação mais objetiva, sem perder tempo falando o que não era
necessário embora ainda se falou muito nessa ocasião. O som estava bem
equalizado e permitiu o teclado aparecer com mais evidência dessa vez, soando
melhor com os outros instrumentos e fazendo as canções do Generation Dreams
ganharem mais corpo.
Depois,
a Lo Han se apresentou para um público aquecido e calibrado para acompanhar o
seu hard rock clássico setentista há muito tempo seguido por fãs do grupo. Com
um disco lançado recentemente, feito totalmente por canções autorais e
produzido pelo bluesman Alvaro Assmar a banda contou com o próprio em uma das
guitarras durante toda a performance. O conjunto abriu mão dos covers sempre
presentes em seus shows e escolheu tocar só musicas próprias no festival e
deixou isso muito aberto e respeitavelmente claro para quem pediu um desses
clássicos. E funcionou! Muito! A Lo Han agradou bastante, fazendo uma
apresentação segura, com destaques para Sex, Drugs and Music (dessa vez sem a
dança do Thiago Mac), The Fallen Butterfly, e a ótima The World Will Change
Your Mind, uma balada setentista influenciada pelos teclados do Deep Purple,
guitarras do Pink Floyd e arranjos vocais do Led Zeppelin. Essa emocionou!
Como
a terceira atração da segunda noite e estreando nos palcos baianos e mundiais,
o Du Txai e os Indizíveis fizeram um som interessante. Um power trio bem
entrosado, resultado dos anos de boa convivência musical entre o próprio Du
Txai e o Cadinho (baixo) dentro do Cascadura, contendo um baterista com um kit
simples (bumbo, caixa, surdo, um prato de condução e symbal) e fazendo um rock
direto, a banda mostrou em sua música influencias fortes de artistas e bandas
da década de 1990 como Jeff Buckley e Smashing Pumpkins, além de algumas referencias
indies inglesas. O show acabou quando se esperava que que ele não acabasse.
Surpreenderam muita gente e deixaram um gosto de quero mais no final.
Como
uma das atrações mais esperadas do festival, a Plastico Lunar fez um show
redondo, priorizando as musicas do seu mais novo cd, Dias Difíceis no Suriname.
Uma pegada mais rock e mais direta não fez mal ao grupo, porém os temas mais
psicodélicos foram os mais saborosos no show dos sergipanos, contando com o
virtuosismo dos instrumentistas, principalmente do baterista, que não titubeou
uma vez sequer nas viradas mais arriscadas do seu instrumento. Formato
Cereja foi pedida, atendida e recebida com euforia. Teve gente que suou
bastante nesse show. Sem perder o ritmo, a penúltima atração da festa foi a Inventura
(Alagoinhas). No embalo de ter tocado em Londrina na noite anterior, o trio
aportou em Salvador e executou com empolgação o seu repertório quase todo feito
por músicas do seu primeiro trabalho, com exceção para a versão de Augusta (Tom
Zé). Foi um show com um speed bacana, em meia hora de pouca conversa e muita
música.
Encerrando
o Festival DoSol, Os Jonsóns tocaram o seu rock dançante e bem humorado para os
que ficou até a última música. Essa apresentação teve um elemento não muito bom
para os fãs do grupo: a saída de Leo do Trompete, o trompetista da banda. Com a
baixa amigável por questões pessoais, o músico recebeu uma homenagem surpresa
quando ele foi surpreendido por cornetas distribuídas para o público para serem
tocadas ao sinal do vocalista. Mas o povo não se deu de emoção e de zoação que,
nos intervalos de cada música, as cornetas eram sopradas com vontade e
criatividade. Foi mais um momento divertido o cornetaço em
"protesto/homenagem" a saída do músico. E teve muita música na ponta
da língua do povo no repertório dos caras. Dia Triste abriu a
performance deles, que ainda teve Batedora de Vinis, as músicas do seu
mais recente EP, Riffmania, a misteriosa Cabeça de Peixe e encerrando
com Chula. Foi uma performance de uma banda entrosada e descolada e que
não perde a manha de fazer o seu som e de se relacionar com seu público. Foi
massa, teve som bom, danças inimaginavelmente criativas e cornetadas diversas.
Foi o show da "dança frenética dos lunáticos das cornetas ensandecidas" que fechou bem o Festival DoSol em terras baianas.
Foram
duas noites ótimas de rock para quem quis e para quem pôde comparecer na festa.
Volto a afirmar que o lineup foi muito justo com a maioria das bandas,
incluindo boa parte daquelas que estão em grande atividade na cena local.
Lamento o fato da marca do Festival DoSol não ter sido o suficiente para levar
mais pessoas para prestigiar os grupos e o evento, mas espero que ele ocorra no
ano que vem novamente e que proporcione bons momentos roqueiros como foram
nestas duas ocasiões. Quem foi viu e quem não foi, ouviu alguém dizer, ou leu
alguém escrever sobre ele. Nesse caso é melhor ser testemunha ocular. Vai que,
para se tomar conhecimento oficial dele, um acontecimento rocker como esse
precise viajar no tempo quarenta anos para entrar em uma "nota de
gravação", de uma edição comemorativa e remasterizada de aniversário, como
foi com solo do Clapton no Álbum Branco dos Beatles. Imagine o privilégio de
quem viu isso! Pois bem.
*Matéria originalmente publicada em 17/11/2015.