Mais
uma noite efervescente da cena rocker acontecendo na cidade de Salvador e saí
de casa para ver as possibilidades que ela me proporcionava. A última sexta
teve muito evento de música rock acontecendo aqui na capital baiana e foi
difícil escolher qual lugar ir, mas tinha que ser um e optei por aquele cujo
local é fora do Rio Vermelho, bairro boêmio e onde ocorrem shows com mais
frequência.
Acredito
que não se deve existir uma rigidez quando o assunto é rock’n roll, inclusive
quanto a localização onde as coisas acontecem na cidade nesse sentido. Sair um
pouco do lugar comum, sair do centro de onde ocorrem os fatos roqueiros daqui,
abrir novas possibilidades em cantos diferentes da cidade pode fazer bem para a
cena e para quem a acompanha (seja público, banda ou crítica). O lugar em
questão foi o The Other Place, situado no bairro de Brotas, na garagem do
Hell’s Angels. O evento: Sextas From Hell. Com o espaço aberto, bom serviço de
bar e ambiente climatizado na área reservada para os shows, a casa recebeu uma
quantidade considerável de público, alguns já frequentadores do lugar e outros
fazendo a sua visita pela primeira vez por lá.
O ar
livre e o bom tempo permitia bons papos nas mesas da garagem, alguns preferiam
jogar uma sinuca ou dardo, uns admiravam as motos estacionadas por lá e outros
sentavam no bar para beber algo e ver apresentação de um show famoso do
Motorhead que passava na televisão. Foi um bom aquecimento para o início das atividades.
Começando com pontualidade, a Bilic (que não tem mais o “Roll” no seu nome) fez
uma apresentação no mínimo ousada. Depois de um bom tempo tocando juntos e se
entrosando melhor com essa formação mais recente, o conjunto mostrou uma
evolução explicita em seu som e uma postura diferente em relação ao seu
repertório. Eles abriram com duas canções do seu EP de estreia, sendo que Aqui
no Ócio foi tocada diferente, com um andamento mais lento que o normal.
A
velocidade original característica dela não faria mal algum ao restante da
performance. As músicas que se seguiram foram todas inéditas, novas composições
que estão em processo de gravação e que o grupo vem tocando há um bom tempo.
Com uma pegada mais psicodélica que lembra bastante o Pink Floyd na fase A
Saucerful of Secrets, a Bilic mostrou ter acertado nas suas canções e na sua
direção, com bons timbres de guitarra, um baixo pulsante e a bateria bem
colocada. O trio teve que lidar por um bom tempo com a tentativa de equalizar
melhor os vocais, algumas microfonias indesejadas e eventuais choques no
microfone, mas nada que tirasse dele uma qualidade cada vez mais aparente na
sua música e de seu amadurecimento artístico.
Em
seguida, após um breve intervalo, foi a vez da Búfalos Vermelhos e a Orquestra de
Elefantes tocar o seu rock de chão pisado. A sequência de shows que os irmãos
Jende vêm fazendo pela capital baiana tem dado a eles um gás extra em suas
aparições pelos palcos da cena. A vontade com que cada um tem tocado os seus
respectivos instrumentos atestam esse fato e isso tem feito bem para o duo em
sua performance e também em sua estética visual. Eles estão em um momento no
qual até quando precisam improvisar já basta um olhar entre os dois para a
coisa acontecer e tudo tomar forma em som, gestos e impacto musical. A
qualidade sonora continua alta e pesada, dava para escuta-los em bom som mesmo
com a porta do espaço dos shows fechada.
Muita gente foi para ver novamente a
BVEAODE de perto, alguns bateram cabeça com A Farsa, ou “serpentearam” com Mulher
Kriptonita e está cada vez mais provado que a versão de Dos Margaritas/Meu
Refrigerador Não Funciona é praticamente de autoria própria dos rapazes, de tão
diferente que ambas ficam nas mãos deles. O show foi bom e objetivo como
sempre, mas rolou pedido atendido de bis e eles tocaram Coroné Antonio Bento,
do Tim Maia, e Um Som Para Laio, do Raul Seixas (em versões “búfalos”, diga-se
de passagem), duas que estavam fora do repertório há muito tempo. Foram rocks
de verdade, mesmo sendo primeiro de abril!
Terminadas
as apresentações, o povo ainda ficou à vontade na parte externa do The Other
Place, conversando, bebendo e trocando breves ideias com pessoas que não se
viam há muitos anos. Ainda teve papo sobre cervejas consumidas a noventa
centavos em algum canto dessa Bahia que não sei onde foi e assunto para gerar
ótimos insights para soluções de impasses musicais nas decisões internas de
bandas. Noite proveitosa em vários sentidos! Descentralizar é importante e
abrir ainda mais o leque de opções para a cena rocker baiana também. Isso não
faz mal e faz crescer!
*Matéria originalmente publicada em 04/04/2016.