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Para o rock baiano, o ano começa bem antes do carnaval.*


O ano mal começou e a jornada rocker na Bahia se iniciou logo com a primeira edição do Festival Sol Vermelho, ocorrido no Dubliners Irish Pub já no segundo dia de janeiro. O evento que contou com nove bandas da cena local foi um start interessante, pois tocaram por lá nomes já conhecidos do cenário e outros que estão dando os primeiros passos em suas carreiras. A festa também teve o intuito de promover a campanha de financiamento coletivo que está sendo realizado pela Van der Vous, a banda anfitriã.

Com essa grande quantidade de conjuntos na grade, o som foi marcado para começar no meio da tarde, porém, sofreu um atraso de aproximadamente duas horas para se iniciar. A caminhada sob o sol quente e sobre as novas calçadas de parte do Rio Vermelho, que chega doía as vistas com o reflexo da luz, serviu só para contemplar a paisagem e nada mais.

Iniciando os trabalhos, a banda Espúria se apresentou desfalcada do seu vocalista. Mesmo sem ele e um pouco insegura, o grupo apresentou canções próprias que mesclam influências grunge e new rock. Boas composições autorais, mas os rapazes mostraram que elas precisam de um pouco mais de tempo de ensaio para matura-las. Depois foi a vez da Búfalos Vermelhos e a Orquestra de Elefantes tocar o seu rock cheio e volumoso, de bateria firme e guitarras com riffs pesadíssimos. Vinda de um ano excelente e prometendo muito mais para esse que chega, a BVEAODE fez um dos melhores shows da noite tocando o seu repertório bem conhecido pela maioria das pessoas no lugar (e tinha muita gente para vê-los), tomando conta de todo o espaço que as suas músicas poderiam preencher dentro do pub. Desta vez, infelizmente, a apresentação foi rápida, mas até neste caso foi bom, pois o duo tocou com um entusiasmo acima da média. As vezes menos quer dizer mais e esse foi um desses casos.

Seguindo a programação, depois de mais de meia hora de preparo do palco, subiram ao palco três bandas/artistas em uma única apresentação. MAPA, Aurata e Prime Squad compartilharam o tablado de uma vez só, se revezando em suas respectivas músicas e auxiliando na execução de uma das outras. Isso talvez tenha ocorrido pelo fato das três seguirem uma mesma vertente musical, contendo muito de música eletrônica, programação e guitarras distorcidas. É um som interessante, tendo como referências Beach House, Bonobo e ambiente rock. Mesmo assim, o caráter experimental da performance e o tempo de mais de uma hora de show acabou se tornando excessivo e cansativo, e à medida que a apresentação avançava, em um certo momento, parecia que só eles estavam se divertindo ali. O que inicialmente chamou a atenção se tornou penoso. Dessa vez mais significou menos.

Como quarta banda do line up, a Cartel Strip Club fez seu show com nova formação. De cozinha nova e com dois integrantes a menos, o agora quinteto fez bem a sua parte e mostrou seu indie rock autoral leve e bem ensaiado. Parece que os três integrantes principais do grupo não tiveram trabalho para integrar os novos colegas na banda e nem de ajustar as novas músicas com eles. Bem entrosados, o grupo tocou bem as músicas do seu EP e outras que não entraram nele, sempre com o destaque para o bom uso da divisão dos vocais nas músicas. Na sequência, a Bilic Roll fez um show empolgado. Com um breve problema na caixa do baixo no início da apresentação, o trio tocou as músicas do seu primeiro trabalho e novas canções. Mais bem ensaiada, o conjunto de Lauro de Freitas mostrou energia de sobra e uma pegada diferente nas novas composições, com temas mais longos e outros psicodélicos (sem perder a essência rock), com a bateria mais segura, baixo mais presente e guitarra com bons efeitos. A divisão de vocais entre o guitarrista e o baixista também foi outro aspecto que chamou a atenção. Os ensaios às oito da manhã e depois de uma noite de farra estão fazendo bem para os caras.

Como penúltima atração da noite, a Van der Vous não demorou muito de subir ao palco e não demorou tanto em cima dele. Estava curioso para saber como a banda ficou depois das mudanças em sua formação e percebi uma banda ligeiramente diferente. Ela continua competente da forma que era antes, mas um novo integrante sempre traz um ar de novidade e nessa ocasião, como não poderia deixar de ser diferente, o seu novo baterista imprimiu o seu estilo nas músicas do grupo. Mesmo sendo versátil e ágil no instrumento, as velhas canções perderam um pouco do peso característico de outrora, mas foi plantada a curiosidade para ver novas canções com a sua assinatura. Bons solos e uma jam instrumental formaram bons momentos na noite do conjunto. Depois de se apresentarem, o cansaço bateu forte e me fez voltar para casa mais cedo, portanto, ficam aqui as sinceras considerações a Ronco pela minha ausência no seu show.


O rock não deixa criar limo nas pedras da Bahia e não espera o carnaval passar para dar continuidade a sua trajetória. Na verdade, antes, durante e depois dos festejos de momo ele está sempre dando as caras, e isso é cada vez mais presente na cultura local. Esse foi um bom ponta pé inicial para o ano de 2016.


*Matéria originalmente publicada em 07/01/2016.

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