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Quatro power trios em uma noite incansável.*


Em primeiríssimo lugar: FORA TEMER! Na última sexta aconteceu a segunda data do Festival Soterorock, a primeira no The Other Place, em Brotas, marcando o início do perfil descentralizador de locais de shows de rock na cidade de Salvador que o evento possui. Ameaçava chover quando saí de casa. O tempo estava nublado e frio, e sair da cidade baixa poderia ser uma jornada difícil diante de manifestações contra o golpe que pararam a cidade durante o dia. Driblar estes locais e chegar na casa da festa era o primeiro passo. Dois ônibus depois e com uma garoa se transformando em chuva pesada sobre a minha cabeça, desci a ladeira em frente à igreja Nossa Senhora de Brotas com o passo acelerado para ver o começo de tudo e não me molhar tanto.

Passando dos portões já se via o local com algumas pessoas, chuva e manifestação formam uma mistura indesejada para quem quer chegar a algum lugar, mesmo sendo necessário que ambos existam e aconteçam. Não demorou muito e mais pessoas chegavam ao The Other Place, trocando ideias boas, registrando os momentos, gravando videoclipe (já ansioso para ver o resultado), com cerveja dobrada até às 21:00 horas no ambiente ao céu aberto da casa e com o som do bar que sempre é um bom aquecimento pré show por lá. A chuva caía mais forte, mas as pessoas não paravam de chegar e todas elas curiosas para verem as apresentações que estavam por vir e que, assim como no primeiro dia da festa, foi marcado pela diversidade musical do gênero, superação de performances e estreias de bandas do interior na capital.

A primeira banda a subir no palco foi Os Tios, trio com forte influência oitentista e com instrumentistas de alto nível técnico e feeling apurado para entender a vibração do momento e do lugar. Dentre as canções registradas no seu primeiro trabalho, o grupo tocou algumas faixas do seu próximo cd, Malogrado, que está no status “work in progress”, e alguns covers que casaram bem com a sua identidade musical. Na metade da apresentação o espaço do som estava cheio e aquecido, com os integrantes mandando muito bem em seus instrumentos com muita segurança e mantendo a qualidade do seu som ao vivo. Depois deles a Jack Doido fez a sua apresentação com um gás e energia bem forte e impactante. Dessa vez eles enxugaram bem o seu repertório, tocando somente as composições do seu trabalho de estreia que está prestes a ser lançado e covers de bandas locais, como A Morte te dá as Mãos, da Pancreas, com a participação do Shinna Voxzelicks nos vocais e Remédio da Jato Invisível, com o Alex Costa também contribuindo na voz. Sendo que essa última tem se tornando praticamente um hit da cena roqueira baiana de tanto que ela vem ganhando versões nos shows das bandas daqui. Foi uma apresentação objetiva e empolgada, deixando a casa mais quente do que já estava.

Como o terceiro trio da noite, a Ronco fez um show interessante e redondo, com “começo, meio e fim”, elevando o ápice do evento a um ponto que não havia mais volta. É ótimo ver uma banda evoluir ao vivo em tão pouco espaço de tempo. Em menos de um ano de atividade eles conseguiram alcançar um bom nível técnico em seus shows, com um som volumoso e nítido, agregado a texturas experimentadas durante a performance. Se você que está lendo esta resenha gostaria de saber como tirar um bom som dos seus pedais de guitarra, pedais de baixo e uma sonzeira com uma bateria de kit reduzido, é melhor colar no palco para ver o que os rapazes estão fazendo. Fêmea Fatal, A Suicida e A Melhor são ótimos exemplos disso. Encerrando a noite, a 32 Dentes se apresentou pela primeira vez em Salvador sob este nome. O grupo já havia passado por aqui antes com um outro nome, mas sob este foi a sua primeira experiência na capital, o que deu um sabor maior e uma satisfação maior ainda de ver a sua apresentação. O caminho de Feira de Santana até aqui não tirou a empolgação dos caras no Festival Soterorock e acredito que se deixasse, eles tocariam até o amanhecer. No repertório, músicas do seu EP de estreia, Peleja, e mais outras que ficaram de fora dele. Ainda arriscaram Breed do Nirvana no final, mas ficaram só na jam mesmo. Foi uma boa primeira experiência os vendo ao vivo.


Este segundo dia do festival manteve as expectativas do público, das bandas e organização em alta e acesas, com os quatro power trios incansáveis durante toda a noite, aumentando a curiosidade de muita gente para ver as próximas datas e shows. Não havia mais tanta chuva caindo na cidade e as suas vias estavam mais livres para voltar para casa com tranquilidade e com a alma cheia do bom e velho rock’n roll. Daqui, houve a torcida por mais manifestações. Repito, elas são válidas e devem ser incansáveis, assim como a chuva que cai porque tem que cair. Fora isso, ainda deu tempo para ver um manejo de lightsaber sith/jedi enquanto aguardava o serviço de locomoção de preço mais justo chegar para voltar para casa. Simbora que o rock continua!


*Matéria originalmente publicada em 07/09/2016.

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