O André L. R. Mendes tem uma incrível história
musical. Ex-membro da Maria Bacana (grande expoente do rock baiano da década de
1990) e atuante artista solo da cena local, o cantor e compositor fala nessa
interessante entrevista sobre o seu movimentado inicio de carrira com o seu
power trio, onde gravou um disco pela gravadora do Dado Villa-Lobos, a sua
carreira solo, seu mais recente trabalho, Arquipélago, sobre a cena,
suas influencias e muito mais. Essa é uma entrevista que você não pode perder
uma linha sequer. Aproveite!
Soterorockpolitano - Conhecendo um pouco a sua carreira
musical, fica difícil começar a entrevista de uma outra forma que não seja
perguntar sobre a época da Maria Bacana. Como foi a experiência de fazer parte
de uma das bandas que mais se destacou nos anos 1990? Nos fale um pouco sobre
esse período no qual vocês tocaram fora da Bahia, gravaram um ótimo disco pela
Rock It! (Selo do Dado Villa-Lobos) e que, por aqui, abriram shows para grandes
nomes do rock nacional como o Ira! e Cassia Eller.
André L. R. Mendes - A Maria bacana foi massa demais... éramos uma banda de
hard metal punk rock que cantava em inglês chamada Master Brain... o som era
bem parecido com o da Maria Bacana... mas cantar em inglês foi ficando cada vez
mais chato pra mim... não fazia sentido... sentia que dava pra fazer em
português... eu adorava quando ouvia o disco Brasil do RDP e aquilo
falava diretamente comigo... minha língua nativa... depois vieram Engenheiros,
Caetano, Legião... me ensinando que dava pra fazer rock em português. Consegui
convencer Macello (baterista) e Lelê (baixista) a passar de inglês pra
português... e não foi fácil, viu (rsrsrs)... eles estavam semi irredutíveis!
Mas então, passamos pro português, mudamos de nome pra Maria Bacana
(conservando o MB da Master Brain) e gravamos uma demo... mandamos essa demo
pra Deus e pro mundo... Dado foi o primeiro a responder... em exatamente uma
semana... ele queria contratar a banda. Ali foi pura emoção... tipo "agora
vai rolar!" Éramos uma banda extremamente afiada... eu desde os 10 anos
surfava nos finais de semana, mas larguei o esporte pra ensaiar sábado e
domingo O DIA TODO. Pois bem... fomos pro Rio e, em pouco tempo, as pessoas que
líamos sobre estavam dizendo o quanto éramos massa... Wander Wildner, Dado, o
povo do Raimundos, do Planet Hemp, Marina Lima... jornalistas
"top"... todo mundo enchendo a nossa bola. Foi uma época que parecia
que o caminho estava pavimentado e estava até certa etapa. Gravamos o disco em
7 dias, na madrugada, com Dado e Tom Capone produzindo num dos melhores
estúdios do país naquela época... estávamos trabalhando com o mesmo empresário
da Legião, da Cássia Eller e Maria Bethânia... o clima de "já ganhou"
com relação à banda era incrível. Fizemos festivais grandes, sempre com
recepção massa de público e crítica... mas não rolou "investimento"
(grana pra jabá) da gravadora (Rock It!)... então o "próximo passo"
não aconteceu. Infelizmente era assim e continua sendo: pra
"estourar" um artista tem que investir grana pesada. A Rock It! Pediu
pra gravarmos um segundo disco e nos negamos... quebramos contrato, uma coisa
idiota à se fazer, mas pensávamos: o selo não
"trabalhou bem" o primeiro disco... pra que gravar o segundo
por eles? Voltamos pra Salvador, em pouco tempo Lelê deixou a banda, eu e
Macello tentamos por um tempo manter a Maria Bacana... mas sem sucesso. A banda
é definitivamente nós três juntos ou não
é a Maria bacana. Hoje a banda é uma banda CULT...coisa que eu temia muito na
época e que hoje eu encaro numa boa (rsrs).
SRP - Na época que a Maria Bacana gravou o seu disco
surgiu um papo de que, no meio de uma das sessões da gravação, a banda conheceu
o Renato Russo. Isso é verdade, ou é lenda? Se foi verdade como foi esse
momento?
ALRM - Lenda.
Renato Russo já estava recluso, doente. Dado disse que ele chegou a ouvir a
banda e gostou. Mas não passou disso.
SRP - Me lembro de que havia muita comparação de suas
letras com as da Legião Urbana e do som da MB com o Green Day. Isso incomodava
a banda na época?
ALRM - Muito
(rsrs)! Incomodava muito! Mas hoje eu percebo que era uma coisa que remava à
favor da banda... "nova Legião", "Green Day brasileiro"...
esses rótulos eram super positivos e, se fôssemos uma banda pragmática,
usaríamos isso... mas queríamos ser, simplesmente, a Maria bacana... então
ficávamos putos com as comparações. Bobagem de adolescente. Parecia mesmo com
as duas bandas, mesmo que não fizéssemos de propósito... influências, né? Mas
acredito mesmo que a Maria bacana foi uma banda única na sua sonoridade. Tipo
15 anos depois Dado chegou pra mim dizendo que eu tinha inventado o
"emo" (rsrsrs), que a Maria Bacana era a banda avó do emo... eu dei
risada e lamentei não ter lucrado com a invenção (rsrsrs)! A sonoridade da
banda é a mistura de um cantor e compositor que queria ser James Hetfield mas
não rolou, um baterista técnico e um baixista amante do heavy metal clássico,
com pitadas de punk rock e letras românticas. Se isso criou o emo... bem...
beleza!
SRP - Sobre a sua carreira solo, você já está no seu
quinto disco de estúdio e o nome que você deu para cada um deles se relaciona
de alguma forma com o mar. Existe uma relação entre os discos? Como se eles
fizessem parte de algo maior e conceitual, como se completassem?
ALRM - Exatamente!
Eu sempre quero que a última música de um disco tenha conexão com a primeira do
próximo disco. Como capítulos de um livro. Bem... são capítulos do livro da
minha vida, né? Eu gosto de consumir arte que tenha pessoalidade e faço questão
de que a minha arte também seja pessoal. Se você for sincero, as pessoas
percebem e recebem aquilo de braços abertos. Eu gosto demais do mar e comparo a
nossa vida diária à jornada da navegação rumo ao novo mundo... se jogando rumo
ao desconhecido. Tanto que o nome do meu primeiro disco é Bem Vindo à
Navegação. Sou eu dizendo isso pra mim mesmo e pra quem se identificar com
minha música e queira seguir me ouvindo: "Vamos nessa? Vamos nessa!"
SRP - Sobre esse aspecto da pessoalidade da sua arte,
você escolheu sempre o dia do seu aniversário para lançar um álbum novo, não é
isso?
ALRM - Isso!
É uma forma de pessoalizar ainda mais o projeto de um disco por ano. Sempre vou
lembrar quando eu fiz 39 eu lancei o Arquipélago e ele falava do que eu
vivi naquele período, o que vivi e o que achava sobre as coisas. Aprendi com
John Lennon que quanto mais pessoal, melhor. Você é universal quando fala do
seu quintal. Aquilo que é real pra você, assuntos do seu dia a dia.
SRP - Os seus dois trabalhos mais recentes, Surfbudismo
(2014) e Arquipélago (2015), tiveram um processo de gravação que foge dos
padrões normais, mas cada vez mais comum hoje em dia, que é gravar músicas em
dispositivos mobiles ou em programas no computador, com o próprio artista
tomando a palavra final sobre a obra (composição, gravação e produção). Como
você mesmo afirma, no melhor estilo "selfie" e com um novo olhar
sobre o "do it yourself". Como você enxerga essa postura e seus
beneficios?
ALRM - Eu
acho sensacional. Hoje em dia você não precisa gastar uma grana enorme pra
gravar sua música. Você grava em casa mesmo, sem custo, com liberdade total...
é o sonho do estúdio de graça 24h por dia. Tem a mesma qualidade de um estúdio
profissional? Não! Claro que não, mas é uma ferramenta que possibilita você
escoar sua música sem depender de terceiros ou grana... é o ápice do "faça
você mesmo". Uma beleza.
SRP - Mesmo utilizando recursos do Ipad você não abre
mão de instrumentos orgânicos nas suas gravações, acho isso bom. Não abrir mão
disso é importante...
ALRM - É
onde eu domino. Violão, guitarra então é o meu lugar seguro. Meu trabalho de
compositor sai daí: violão. Então eu tento conservar ele bem presente nos menus
discos. Valorizando a canção, a composição.
SRP - No Arquipélago percebo uma intimidade
maior entre você e sua própria música, um amadurecimento musical em relação ao
que você tem feito nesses últimos anos. O que essa obra traz de especial para
os ouvintes?
ALRM - Poxa...
é um disco muito especial pra mim. Tentei entregar um disco que falasse de amor
"apesar de"... apesar da distância, das perdas, dos problemas... o
amor sendo um norte em momentos difíceis da vida. Pessoalmente é o disco que
marca a perda da minha mãe, mas a tristeza não é a tônica. É o amor. O que
fica, o que move e continua movendo o melhor de todos nós, seres humanos.
SRP - Qual a sua visão sobre o momento atual da cena
roqueira daqui? O que você acha que melhorou e o que piorou no cenário local?
ALRM - Acho
que já tivemos momentos, especialmente nos anos 1990, que os holofotes eram
mais fortes pro rock baiano... depois rolou uma entressafra, mas acho que hoje
o holofote tá esquentando de novo... Vivendo do Ócio fazendo carreira, Russo
Passopusso, Cascadura lotando todos os shows, muita gente produzindo seus
discos. O cenário mudou do que era na época da Maria Bacana mas tá super em
sintonia com os dias atuais, que mandam a gente "se jogar" e fazer a
nossa música acontecer com as armas que estiverem em nossas mãos.
SRP - Dentre as bandas locais e de fora, o que você tem
escutado ultimamente? E o que teve influência na sua formação musical?
ALRM - Eu
não sou um cara muito antenado à novidades... sempre foi assim... eu
normalmente descubro um artista novo dois anos depois da maioria (rsrsrs)! Mas
gente como Lennon, Hetfield, Maiden, Caetano, Chico Buarque, Cobain me
ensinaram como fazer música, me ensinaram mais sobre a vida que todos os anos
que passei na escola.
SRP - Para encerrar a entrevista gostaria que você
deixasse uma mensagem para os nossos leitores, seja lá o que for. Pode ficar a
vontade para falar o que mais desejar!
ALRM - Queria
primeiramente agradecer o espaço e a atenção que o Portal Soterorock tem comigo
em especial você, Leo, sempre atento ao que lanço. Eu agradeço! E gostaria de
convidar geral pra galera ouvir a minha música no meu site www.andreLRmendes.com.br e, se gostar, me
ajudar a espalhar meu som por aí! Grande abraço!
*Matéria originalmente publicada em 16/09/2015.