Chovia
muito na última sexta feira em Salvador. Antes mesmo da tarde terminar, os
primeiros pequenos pingos de chuva já se transformavam em gotas volumosas que
não paravam de cair e que começavam a derreter a capital que não aguenta cinco
minutos de água, que desmonta completamente logo na primeira enxurrada.
Engarrafamento, ruas alagadas, vento forte e mais chuva, tudo isso na hora do
rush, com o povo voltando para casa, ou indo se divertir em algum lugar
aquecido, bebendo algo quente e também algo gelado (porque não?). Foi nessa
condição climática que a sexta data do Festival Soterorock aconteceu e não teve
tempo nublado certo que tivesse parado o penúltimo dia do evento.
Certamente
atrasos foram inevitáveis nesta ocasião, o que não diminuiu em nada a
expectativa pelos sons que iriam acontecer, não inibiu a presença do público
que marcou uma boa presença no The Other Place e não desanimou as bandas na sua
vontade de tocar naquele momento. Cheguei antes de ver a casa começar a ficar
cheia. Timidamente, audiência e bandas surgiam meio molhados, meio secos e
correndo para um abrigo, de preferência perto do bar que já servia bebida no
ponto, ao som de um bom classic rock, ou para a mesa de sinuca. Não demorou
muito e todos parecem que haviam combinado para chegar ao mesmo tempo, em uma
breve trégua do dilúvio, e, como sempre, entre um chuvisco e outro, papos aconteceram
entre velhos e novos amigos sobre assuntos tecnologicamente diversos, com
direito ao surgimento de uns tais de “C&A Boys” (bem, é melhor do que Braga
Boys).
Com
tudo pronto para as atividades terem início, a Modus Operandi vez uma
apresentação inflamada e expressiva. Vestidos de macacões brancos, que ganhavam
uma cor diferente com a luz negra que fazia parte do misancene do quarteto, a
performance da banda ganhou mais força e fez o seu som industrial, synth,
pos-punk virar um turbilhão musical maior e mais vertiginoso em cima do palco
do lugar, só que de maneira saudável. Foi uma ótima apresentação de um grupo
que vem tocando com frequência neste ano e o seu entrosamento, aliado ao
improviso, foi uma marca perceptível neles nesta ocasião. Entre as músicas
antigas, o conjunto executou novas canções que estarão no seu próximo trabalho
a ser lançado ainda esse ano. Barbárie foi novamente destaque no setlist e a
alternância de vocais entre o tecladista David Giassi e o percussionista Marcos
Sampaio chamou a atenção pela dinâmica entre ambos. Cada um agitado no palco,
muita gente dançando na pista e outros tantos pensando sobre as mensagens das
letras do grupo foram algumas das reações dos envolvidos na ação.
“Realidade e
loucura, cara”, elogiou um anônimo da plateia, que não esperou a apresentação
terminar para apertar a mão de cada um deles. De Alagoinhas, em seguida subiu
ao palco a banda Aborígines, um power trio com um som veloz, direto e de pouca
firula. Eles demonstraram bastante vontade de tocar em cima do tablado, com uma
louvável entrega visível na execução de suas canções, boa parte delas
encontradas no seu novo disco. Foi uma porrada atrás da outra, sem perder o
fôlego e sem deixar que as pessoas parassem de se divertir.
Os
mais animados dançavam na frente do palco, aos pulos, se arriscando a chegar na
avenida Bonoco com mais rapidez, até que se formou uma roda de pogo antes do
final e que se estendeu um pouco mais quando eles fizeram um cover de Ace of
Spades. Foi uma suadeira boa. Em seguida, a Theatro de Seraphin fez uma
apresentação inspirada e impactante. Não podendo tocar na semana anterior por
motivos maiores, os rapazes enfim realizaram a sua performance nessa sexta
noite de festival tocando músicas novas e outras mais antigas. O repertório
contou com uma característica mais objetiva e forte, dando um espaço tímido
para canções mais leves e bastante lugar para virtuosismo em cada um dos
integrantes. Com o vocalista intenso, guitarrista seguro e cozinha bem
entrosada, a banda vez valer do seu tempo de estrada e entregou uma forte e
ótima experiência musical para quem estava na festa.
Fechando a noite, direto
da cidade baixa, os rapazes da Neurática levaram o seu grunge para o tablado do
The Other Place. Foi grunge de raiz mesmo, com bastante canção autoral e espaço
para um cover do Alice in Chains. O quarteto se saiu bem na sua apresentação,
mesmo com a ausência da sua segunda guitarra, ganhando destaque nas canções Do
Outro Lado do Espelho e em Dejavi. Em alguns momentos, mesmo mandando bem, o
vocalista se mostrou um pouco tímido à frente da banda, o que foi compensado
pela presença de palco sempre imersa, inquieta e interessante do baixista
Fernando Fernandes. Foi uma boa segunda aparição dos rapazes na cena.
Mesmo
sob água forte o Festival Soterorock fluiu bem com o seu cronograma do dia. Foi
bom ter visto a compreensão de todos os envolvidos (casa, público e
organização) acerca do leve atraso de uma hora no início das atividades, dando
até um gostinho a mais na expectativa pelas apresentações das bandas escaladas.
Com a chuva cheguei e com a chuva voltei para casa. Com muita sorte o bairro da
Calçada não estava inundado, afastando qualquer possibilidade do carro não
passar pela verdadeira lagoa que se forma por ali nesses casos e de dormir no
ponto de ônibus nessa madrugada. O café ainda quente na cozinha ajudou a
aquecer um pouco mais o fim da noite.
*Matéria originalmente publicada em 27/09/2016.