Neste
último final de semana aconteceu aqui na cidade de Salvador a primeira edição
do Festival Radioca, um festival originado de um programa de rádio de mesmo
nome e que destaca em suas pautas a novíssima música brasileira. A grade dos
dois dias do evento não foi diferente da proposta do programa e trouxe nomes da
nova música nacional e regional que estão em uma ótima fase de suas carreiras.
A
festa aconteceu em um local ainda pouco explorado pelas organizações de
eventos: a cidade baixa. O espaço foi o Trapiche Barnabé, no bairro do
Comércio, e atendeu bem as necessidades dos organizadores e ao que o publico
esperava. De porte médio, o lugar tinha um bom espaço para circulação e para
alocar a boa quantidade de serviços oferecidos. Além dos bares, o festival
abriu espaço para os food trucks, para a feira artesanal do Mercadilho e a
Feira do Vinil, esta última quase me fez deixar todo o dinheiro que estava em
minha carteira por lá. Quase!
Outro
aspecto que deve ser lembrado aqui foi a cobrança da meia entrada. Além do
estudante, a pessoa que doasse um livro por ingresso também teria direito a
meia, influenciando, ao mesmo tempo, a leitura (os livros serão doados) e a
presença do pagante em mais de um dia do festival. Quanto as apresentações (com
quatro por dia), estas foram de grande qualidade. Contando com um bom aparato
técnico de palco, uma boa sonoridade e uma equipe de staff eficiente, o que se
pôde escutar foi uma mescla interessante de estilos, que foram muito além de um
simples rótulo mpb.
O primeiro dia e a lua cheia
Começando cedo, o Festival Radioca teve um início de
trabalho tranquilo, abrindo os seus portões às quatro horas da tarde. O clima
do lugar, que é de fácil acesso para quem chega e para quem sai, estava suave.
O público, que já estava em bom numero no trapiche, circulava curioso pelas
tendas ou degustava as comidas dos caminhões. Pontualmente às cinco da tarde a
primeira atração deu início a maratona musical.
O
grupo baiano Pirombeira tocou um repertório feito em sua maioria por canções
instrumentais e algumas poucas cantadas. Entraram para calibrar e aquecer bem a
audiência que se aglomerava na frente do palco para a noite que começava. As
músicas "Canastra" e "Buraco" foram bons momentos no show.
Depois deles foi a vez dos também baianos da Ifá, este com o seu repertório
completamente instrumental. Uma boa mistura de afro beat, jazz, reggae e black
music balançou muita gente e deixou o local mais quente e mais cheio.
"Afrofunk Revolution" foi um bom exemplo dessa mistura.
Passada
as duas primeiras atrações, os gaúchos do Apanhador Só colocaram mais distorção
nos amplificadores. Com um rock influenciado por bandas como Radiohead e Sonic
Youth, além de um tanto de música brasileira, os rapazes aportam em Salvador
com uma bem sucedida campanha no Catarse, onde eles atingiram a meta para
financiar o novo disco e a nova turnê. Abriram bem o set list com
"Mordido", seguiram com faixas do cd "Antes Que Tu Conte
Outra" e algumas de trabalhos anteriores. Foi um show redondo e de boa
interatividade com o público, confirmando a condição da banda como uma das
principais novidades do rock nacional.
Perto
do final, mesmo com pedidos por "Despirocar", a canção ficou de fora.
Foi tanta gente pedindo que o vocalista, educadamente, se sentiu na obrigação
de explicar o por que de não toca-la. Eles não puderam passar um dos
instrumentos necessários para executa-la e decidiram cortar a música do
repertório. Ficaram devendo. Depois, eles tocaram uma sequencia com "Torcicolo"
e "Bem-me-Leve", compensando muito bem o não feito. Foi um bom show
para se ter visto.
Com
as nuvens carregadas se dispersando no céu, fazendo a lua cheia aparecer, subiu
ao palco os cearenses do Cidadão Instigado tocando o repertório do seu aclamado
novo disco "Fortaleza". O show começou sombrio e psicodélico e esse
foi o tom de todo o setlist. Foi um psicodelismo diferente, original, do jeito
deles e que chamou a atenção pela já conhecida competente banda liderada pelo
super requisitado Fernando Catatau. Ecos, sintetizadores e solos de guitarra
com sonoridades setentistas inspiradíssimas mantiveram a qualidade da
apresentação até o final. "Besouros e Borboletas" foi um excelente
momento. "Quando a Máscara Cai" foi ótima de ser ouvida ao vivo. Catatau,
do pouco que falou com a audiência, foi bem humorado ao se dirigir a ela. Mas o
que interessava mesmo era música e todo mundo ganhou um bis no fim. Foi uma boa
e interessante experiência musical.
O segundo dia e a chuva que caía
O domingo da festa, foi igualmente bem aguardado pelos
que compareceram ao festival. Depois de que o ônibus que peguei ter me deixado
quase dentro do túnel Americo Simas, por não ter parado no ponto, eu já
conseguia ver de longe uma aglomeração maior no lugar. O público compareceu em
maior número em relação ao dia anterior e a chuva deu o ar da graça.
Da
cidade de Ilhéus, O Quadro começou a apresentação de forma quente mesmo com a
chuva constante. Vindos de turnês que passaram pela Europa e América do Norte,
os baianos tocaram um hip hop diferente e muito além do convencional, usando
instrumentos orgânicos e pick ups, e explorando sons como rap, rock e afrobeat.
A apresentação foi boa e empolgou muita gente que não estava nem mais aí para a
chuva. Perto do fim o cantor Fael Primeiro subiu ao palco para fazer uma
participação especial.
Seguindo,
os cariocas da Mulheres Q Dizem Sim fizeram o seu segundo show na capital
depois de vinte anos da sua primeira aparição por aqui. Pertencentes a uma
geração pré-Los Hermanos, os rapazes se apresentaram vestidos (como sempre) com
roupas de mulher e tocando uma mistura de rock com um certo tom excêntrico e
musica brasileira. Muito mais o primeiro do que o segundo, na verdade, e
cantando letras inteligentes. Isso não pareceu nem um pouco pretensioso e muito
menos plastificado. Essa é a verdadeira ventagem de se ter feito algo antes do
que muita gente. A participação especial do Moreno Veloso somou bem à
performance do grupo, que teve como destaque as canções "Momento
Macho" e "ET".
A
terceira atração da noite foi também a mais aguardada. A paulistana Anelis
Assumpção foi muito celebrada e fez uma boa apresentação que teve o reggae como
elemento principal de sua música. A boa voz e a ótima presença de palco
garantiram uma boa performance, e a aparição do Russo Passapusso em duas
canções alegrou a platéia. No fim, um esperado pedido de bis foi feito e
atendido para a alegria do público, do artista e da banda. Com certeza os
microfones não falharam!
Encerrando
a noite, o pernambucano Siba fez o show mais interessante do festival. Com uma
tuba fazendo os graves no lugar do baixo, o set list foi completamente feito
sobre o seu novo disco, o "De Baile Solto". Letras inteligentes,
estética visual leve, guitarras limpas de rock e sons espaciais tirados da tuba
foram alguns elementos desse grande show. O bom humor do cantor foi também uma
forte marca da sua performance, que terminou como um carnaval de tanta gente
pulando sem parar com um maracatu-frevo-rock, de baixo de uma chuva que
reapareceu para ganhar o oscar de melhor coadjuvante da obra. Ninguem queria
parar de pular, Siba não queria parar de cantar e as suas rimas, se deixasse,
continuariam até a manhã da segunda feira. Até que seria uma boa ideia.
Provavelmente
virão outras edições do Festival Radioca. O bom número de pagantes, as boas
apresentações, os artistas presentes e toda a estrutura que estava envolvida no
evento sinalizam essa tendência dele acontecer mais vezes. E que tenha mais!
*Matéria originalmente publicada em 04/08/2015.