Começo
essa resenha na ponga do Irmão Carlos, que afirmou em uma das matérias sobre a
compilação que produziu e lançou neste ano, que sentia falta de coletâneas
atualmente. Eu, até o momento de ter lido o seu depoimento, não havia me dado
conta de que também sentia falta deste bom meio de divulgação das bandas. E o
pior, me chamou a atenção ao fato de que, enquanto escrevo essa matéria, se não
me falhe a memória, os anos 2000 passaram batidos nessa questão. A Outro Jeito
– Da Bahia Pro Mundo chega no momento certo, a tempo de deixar registrado parte
de uma cena que tem produzido bons trabalhos nesses últimos cinco anos, pelo
menos.
Idealizada
e produzida pelo próprio Irmão Carlos, a coletânea é fruto do Projeto Ponto
Sonoro, que promoveu várias ações culturais neste ano de 2016 e traz consigo
uma variedade grande de estilos dentro do rock e em outros gêneros musicais,
algo característico e forte neste nosso cenário baiano. De tudo um pouco você
vai escutar nele. Stoner, pop, punk, experimentalismo, surf music, southern
rock, indie, regionalismo sem soar datado, e até mesmo uma quebradeira
jazzística e um axé music de raiz para se pensar fora da caixa. São um total de
13 bandas e artistas com propostas musicais diferentes entre si e que dialogam
muito bem uma com a outra. A cena da Bahia é assim e aqui não seria diferente
dentro de um projeto capitaneado por alguém atento a ela.
O
disco abre com A Melhor, música inédita da Ronco, banda que em um curto espaço
de tempo conseguiu uma ótima projeção na cena e realizou esse registro poderoso
e impactante, pesada na medida certa, com boas nuances stoners e ótimas
soluções em arranjos bem construídos. Ao vivo ela também funciona muito bem,
diga-se de passagem. Em seguida vem a Lo Han, com She Takes My Breath Away,
trazendo um pouco de Black Crowes, Led Zeppelin e rock sulista norte americano
nesse seu registro. Bons solos de guitarra e órgão marcam as suas boas
presenças na trilha. Na terceira faixa, os feirenses da Calafrio trazem uma
faceta mais indie muito bem gravada, de uma canção antiga dos rapazes, ganhando
um novo trato, ficando mais singela e bem expressiva. A quarta canção, Reza, surge
como um dos melhores momentos do cd, com a Exo Esqueleto trazendo um som mais
bem definido dentro de sua proposta e com uma qualidade sonora digna da sua
música.
A boa mistura de rock, soul, música regional, arrocha e percussão no
seu exato lugar dão a ela um andamento hipnotizante e bem envolvente, ao mesmo
tempo em que versam “o amor é imortal/e o desejo é descarado” em sua letra.
Simples, honesto e excelente! Em Engrenagem da Ilusão, Irmão Carlos conta com a
participação especial da IFÁ Afrobeat para fazer o seu som criativo e com muito
groove setentista brasileiro, dando muito swing à sua letra com abordagem inteligente
sobre a rotina do dia a dia. A Tabuleiro Musiquim aparece aqui com A Dança, com
um pé mais no rock do que na axé, mesmo que um e outro elemento regional
apareça nas entrelinhas dos arranjos e riffs encontrados nela. Depois, o Duda
Spínola faz um hard rock forte, muito competente como sempre em Espelho. Essa é
uma boa mostra de como o cantor e compositor tem uma mão muito boa para
estruturar as suas canções e realiza-las de maneira que prenda o ouvinte com
facilidade, além de ser um ótimo solista de guitarrista.
A
oitava faixa é Não Quero Mais Machucar Ninguém, talvez o último registro da
Pastel de Miolos com o Álisson Lima nos vocais. A faixa é uma porrada de
primeira linha, com dois minutos e dois segundos de punk rock veloz e com uma
rápida passagem crossover na sua metade. Quebrando totalmente a atmosfera da
coletânea de maneira divertidíssima, a Funfun Dúdú joga uma quebradeira pesada
com guitarras dobradas, com base de samba reggae e sopros de presença no
momento de um arrocha saliente, para depois voltar para o samba que aumenta de
velocidade quando se aproxima do seu final. Oxigenada, de fato, é um convite a
se pensar fora da caixa dentro desse contexto. Com uma pegada mais
experimental, Enio apresenta Solido Platônico utilizando algumas programações,
samples, dobras de vocais e mais outros elementos que podem ser percebidos em
audições seguintes.
Da cidade de Alagoinhas, a Limbo registrou uma balada com
peso e sensibilidade na faixa Sweet Pandemonium, podendo levar o ouvinte a
alguns lugares diferentes. Viradas boas de bateria, bom solo de guitarra e
ótima técnica vocal asseguram esta como uma das bandas de destaque do cenário
atual. Na penúltima faixa, uma boa surpresa, o retorno da Vendo 147 com a
inédita Terra de Gigantes. O som instrumental pesado característico do grupo se
mantem presente, dando abertura a surf music, a black music e ao metal.
Fechando o cd, a também instrumental Ivan Motosserra toca o seu surf music com
O Espírito da Capa Preta. Momentos rockabilly, climas noir e spy jazz dão um
tom peculiar a essa composição do trio que vem marcando presença em muito som
pela cena. Um divertido desfecho.
Além
do bom resultado desse registro, vale muito salientar por aqui o ótimo trabalho
que o Irmão Carlos fez e vem fazendo há muito tempo como produtor ao longo dos
anos. Dia desses, revirando a minha estante de cds, achei um EP de uma banda
baiana (vou manter em segredo qual) produzida por ele lá pelos idos de 2007.
Naquela época já se percebia o interesse do cidadão em fazer as coisas bem
feitas e de lá para cá, o seu trabalho vem evoluindo cada vez mais como tinha
que evoluir. Pode até ser um trabalho duro, mas acredito que seja prazeroso,
prazeroso ao ponto dele bater essa boa foto musical, sem precisar usar filtro
depois.
Escute a coletânea Outro Jeito – Da Bahia Pro Mundo: https://soundcloud.com/estudio-caverna-do-som
*Matéria originalmente publicada em 15/09/2016.