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Festival Radioca III: duas noites de pluralidade musical. Por Leo Cima.

     Foto: Rafael Passos.

Aconteceu neste último final de semana a terceira edição do Festival Radioca. Festival esse que traz em seu lineup novos e veteranos nomes da mpb, artistas consagrados e outros mais significativamente promissores da nossa cena musical. Sejam daqui da Bahia, ou de outros estados, as atrações refletem bastante a proposta do evento, que se origina de um programa de rádio local de mesmo nome.

A diversidade das atrações, algo a se levar muito em consideração quando se fala em Radioca, foi um aspecto que chamou a atenção na grade de 2017. A curadoria feita para o festival foi mais além nisso em relação aos anos anteriores, o que acabou por oferecer um prato cheio para aqueles que gostam de apreciar uma boa música, ou descobrir novos sons. A infraestrutura do festival se expandiu bastante em relação à primeira edição (em 2016 não pude comparecer ao evento) tomando todo o espaço do Trapiche Barnabé, proporcionando uma melhor circulação das pessoas na área dos shows e reservando o trecho lateral do lugar para as feiras de artesanato, vinil, moda, uma praça com a instalação de um restaurante (desta vez não havia food trucks) e vários pontos de caixa para compra de bebidas, eliminando longas filas para adquirir fichas. A altura do palco é algo a se frisar também, ele não estava muito alto, ao mesmo tempo em que a visão da plateia para ele era confortável e não estando em momento algum comprometida, aproximando mais os artistas do público junto a uma sonoridade impecável.

Sobre os shows, abrindo o primeiro dia, a baiana Lívia Nery apresentou a sua música fincada no cool jazz, com influência de ambient rock e uma ótima performance. Com boa presença de palco, ela utilizou muito bem recursos de efeitos de voz em momentos pontuais, assim como a banda que a acompanhava a seguiu de maneira impecável. Vale ressaltar a presença do Emanuel Venâncio, na bateria, ótimo músico que estava em “não-sei-por-onde” e que reapareceu aqui. Foi um ótimo começo e deixou a audiência, que ia se acomodando aos poucos, aquecida para a sequência que estava por vir. Do Pará, Pio Lobato, tendo o Lucas Estrela como músico convidado, apresentou um repertório instrumental com bastante guitarrada. O ritmo alegre e leve do seu som acabou por esfriar um pouco os ânimos do ambiente e foi um momento no qual as pessoas se dispersaram pelo lugar e não se prenderam a sua apresentação. Já o Raimundo Sodré, de cima do palco, injetou mais empolgação na plateia com uma banda competente e com uma presença de placo cheia de carisma, trazendo consigo um repertório mais dançante e completo de história musical.

Como penúltima atração da noite, e talvez a mais esperada da grade do sábado, a Far From Alaska, de Natal, fez a sua primeira apresentação na capital baiana e não decepcionou. A performance explosiva e impactante do quinteto literalmente engoliu as demais apresentações de tão boa que foi. A entrega dos integrantes no palco foi absurda, com um expressivo desempenho que atesta o ótimo momento vivido pelo FFA. Os sons encorpados e bem preenchidos das suas composições ganharam vida com fidelidade em cima do palco, com uma cozinha extremamente segura, ótimas distorções, efeitos e texturas da guitarra, presença certeira dos synths e o vocal poderoso da Emmily Barreto. Empolgou muito a quem os assistia, e ainda foi aberta uma “roda de rock”, puxada por uma moça empolgadíssima que estava no meio do povo, na qual a Cris Botarelli desceu do palco para participar. Foi um show avassalador! Merecia durar um pouco mais! Encerrando a primeira maratona, Rincon Sapiência (SP) apresentou seu rap com muita vontade e sem deixar dar fôlego para quem o esperava. Muita gente o acompanhou letra por letra e a própria música que ele apresentava atendia bem as expectativas de quem acompanhava os seus versos. Fugindo bastante do lugar comum de quem mistura mpb e rap, o bom uso da guitarra, com percussão e pick-ups foi o grande diferencial do seu show.

O segundo dia, igualmente pontual como anterior, reservava uma sequência aguardada de shows. Quem iniciou os trabalhos foi a Jadsa Castro (BA). Com uma bela voz firme e de personalidade forte, ela apresentou canções que remetem bastante a musica popular brasileira contemporânea, destacando o trabalho de percussão de seu grupo, dando ênfase a cada instrumento no momento certo. Depois dela, a banda alagoana Mopho, que completou agora em 2017 vinte e um anos de carreira, tocou pela primeira vez em terras baianas com o repertório do seu mais recente disco, Brejo. Muito aguardado, o quarteto não decepcionou e fez uma apresentação segura e atmosférica, dentro da proposta do seu som, que vai do psicodelismo à jovem guarda. O tempo de estrada do conjunto garantiu que as canções surgissem mais encorpadas em cima do palco, e com o brilho idêntico ao dos seus registros em disco, com arranjos que remetem às coisas boas que o George Harrisson produziu nos seus primeiros trabalhos solo. Além das novas composições, a Mopho passeou pela sua discografia tocando canções de trabalhos mais antigos. Na sequência, o também quarteto Quartabê, de São Paulo, criou um clima mais jazzístico no festival executado um setlist completamente instrumental em homenagem ao músico Moacir Santos. Instrumentos de sopro, piano e bateria conduziram a performance do conjunto de maneira suave e interessante, abrindo espaço para bons improvisos e contemplação da plateia.

A penúltima atração da noite foi o paulistano Curumin. Confesso que estava curioso para assistir ao seu show, pois havia quase nove anos que não o via em ação e na primeira ocasião a sua apresentação não me agradou. Tanto tempo depois e o som dele continua não chegando a mim. Seus discos são ótimos, porém ao vivo sempre se tem aquela sensação de que falta algo, mesmo acompanhado por ótimos músicos como ele, possuindo viradas sutis de bateria nas passagens de uma canção para outra e com a participação especial do Russo Passapusso em um trecho significativo de seu show. Mesmo assim, agradou muita gente que dançou e cantou junto! Encerrando o Radioca, a banda Metá Metá fez justiça a sua fama de ser excelente em cima do palco. O som do quinteto pode ser definido como uma linguagem que segue um caminho entre o rock e o jazz moderno, feito com uma liberdade experimental que beira o pop sem que estes dois lados não se desgrudem um do outro em momento algum. Tudo isso feito com uma musicalidade forte, com a voz mais forte ainda e super presente da Juçara Marçal, timbragens sonicyouthianas da guitarra, cozinha desconcertante de viradas certeiras na bateria do Sérgio Machado e a suavidade do saxofone. Foi de encher os olhos e os ouvidos de uma maneira, que o grupo teve que voltar para mais uma música no bis.


A terceira edição do Festival Radioca manteve, de fato, o ótimo nível de shows em decorrência da boa curadoria realizada e, com isso, a diversidade musical se fortalece como uma marca consolidada do evento. Como nos anos anteriores, o público compareceu em uma quantidade considerável nos dois dias e ganhou tudo isso e um pouco mais, dentro do Trapiche Barnabé, que foi a morada temporária dos bons sons. E a cobertura do Radioca não para por aqui, em breve, entrevistas inéditas com a Far From Alaska e com a Mopho.

Fotos:

     Lívia Nery/Foto: Rafael Passos.
      Pio Lobato/Foto: Rafael Passos.
      Raimundo Sodré/Foto: Rafael Passos.
      Far From Alaska/Foto: Rafael Passos.
      Rincon Sapiência/Foto: Rafael Passos.
      Jadsa Castro/Foto: Rafael Passos.
      Mopho/Foto: Rafael Passos.
      Quartabê/Foto: Rafael Passos.
      Curumin/Foto: Rafael Passos.
      Metá Metá/Foto: Rafael Passos.
      Foto: Rafael Passos.

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