A
veterana do cenário rocker baiano, Modus Operandi, tem uma
discografia respeitável que provoca e instiga a quem a escuta. Ao
longo de mais de duas décadas de atuação, o quarteto vem mostrando
o seu turbilhão musical gótico e industrial (eles vão muito além
disso) de maneira cada vez mais presente na cena, com letras
realistas e cruas, e com uma formação pouco comum dentro do rock,
na qual há a ausência do instrumento ícone do gênero, a guitarra,
com uma percussão e furadeira em seu lugar, acompanhadas pelo baixo,
bateria e sintetizador. Essa não é nem uma questão de substituição
de um instrumento pelo outro! O fato é que eles chegam no seu mais
recente trabalho consolidando a sua música e abrindo novos caminhos
para ela.
Ainda
no final do ano de 2017, a banda soteropolitana lançou o ...Vício,
...Virtude, ...Violência..., certamente um dos mais aguardados
daquela temporada. Essa expectativa não aconteceu a toa! Por um
longo período, isso já em 2016, o grupo entrou em uma frequência
significativa de apresentações que dura até hoje. Desde então, os
rapazes puderam experimentar novas músicas nos seus shows e assim,
dar corpo de forma mais robusta a suas novidades sonoras dentro do
estúdio. Ainda na segunda metade deste mesmo ano, o quarteto
registrou o seu mais novo trabalho e adentrou no ano seguinte já
inserindo no repertório de suas apresentações as faixas do novo
EP. Para a banda, pratica-las ao vivo conferiu uma segurança melhor
dos seus arranjos e uma proximidade com a sua audiência, além de
desenvolver o seu entrosamento no palco. Isso fez com que, quando
lançado, o seu novo trabalho chegasse forte às mãos do seu público
e demais admiradores agregados ao longo do caminho. Não foi algo
feito para ver se as novas composições funcionavam, uma vez que
elas já estavam gravadas, foi a simples espontaneidade e honestidade
artística que estabeleceram a comunicação entre ambas as partes.
O
disco abre com a banda mantendo o seu espírito artístico, de não
estar presa a formatos convencionais das bandas de rock, em não
ficar também detida ao seu próprio formato instrumental, e não
utilizam um determinado instrumento de seu setup, trazendo a presença
de outro não antes usado pelos rapazes em um disco. M.A.L. dá
bastante espaço para a gaita e deixa a bateria (ambos instrumentos
tocados por Eduardo dEUS) em stand by para dar um clima densamente
soturno, com o baixo e a furadeira em um som sincronizado em meio a
uma atmosfera psicodelicamente nublada criada pelo sintetizador. Além
disso, o baixista Henrique Letárgico assume os vocais da faixa. Em
U.M.A. o quarteto mantém a densidade, porém ao mesmo tempo mais
pesada e empolgante. A linha de baixo para esta canção, o longo
dela, chama bastante atenção pelas suas variações sutis, assim
como o berimbau aparecendo em momentos específicos, pontuando o
dialogo bem feito entre a furadeira e a bateria, que surge aqui firme
e marcante. Os vocais raivosos de David Vertigo ganham força no
expressivo refrão.
Barbárie,
assim como a sua antecessora, é um momento de destaque de ...Vício,
...Virtude, ...Violência..., trazendo à tona a real cidade de
Salvador exatamente como ela é, desnudada de toda a sua festividade
perfeita, daquela alegria associada durante o ano inteiro a um
carnaval interminável, porém violenta de várias maneiras. Sempre
com a ótima interpretação vocal indignada, as diversas faces dos
crimes e da crueldade humana na capital baiana aparecem no texto de
mãos dadas com um bairro daqui. Mas não se engane, Salvador é uma
só! Curiosamente, esta é uma música bastante dançante e é
presença certa nos shows dos rapazes. Certamente já é um clássico
do rock baiano, atemporal e que provavelmente dure por vários
verões. Dando continuidade com o EP, Ad Baculum surge com uma batida
tribal e não deixa a empolgação da obra cair. Nela, os vocais,
assumidos pelo percussionista Marcos Sampaio, acompanha a tensão da
música que segue a um climax explosivo e vertiginoso ao final dos
seus menos de dois minutos. Psicografia chega com uma batida
minimalista, que se mistura com um inusitado e bem vindo baião,
botando para fora em sua letra algumas verdades ácidas de maneira
urgente e inteligente, sem dar espaço para o ouvinte ter fôlego.
Mais uma vez com os vocais de Marcos Sampaio, Holocausto encerra o
disco pintando um cenário devastador, atormentado e aterrorizador de
descaso e mal trato humano, com o som da banda executando um som
industrial em repetição, com se fosse um mantra, repetindo o título
da faixa, se estendendo por um pouco mais de dez minutos com o som
solitário da furadeira até o seu final.
Com
...Vício, … Virtude, ...Violência... a Modus Operandi entrega,
até agora, o seu disco mais maduro e mais livre para fazer música e
arte da maneira que bem entender e processar internamente. Se
permitir a não ficar tão seguro a sua tradicional proposta musical,
se arriscar a sair de uma zona de conforto, para ousar mais e atingir
novos níveis artisticamente provocativos, que fazem pensar e
instigar o ouvinte, foram passos importantes para a banda. Esse EP
abre um leque de possibilidades para a M.O. em suas próximas
investidas e vai se manter vigoroso por muito tempo.